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Sobre tradições e experiências

por Edgard Leite (Diretor do Instituto Realitas)


Pode parecer paradoxal que uma sociedade tradicional seja, sob certo aspecto, uma sociedade mais livre que uma sociedade nova, em permanente processo de experimentação e aprendizado.


E assim o é, principalmente quando consideramos que as tradições consolidam experiências, e refletem um dado aprendizado sobre a natureza da vida, e da vida naquela sociedade, o que é útil para aqueles que nela vivem.


As tradições limitam muito o espaço dos poderes em impor casuísmos e intromissões ao que é. E dos destruidores em propor aniquilações.


As sociedades novas são sujeitas a idas e vindas da autoridade. Tudo é experimentação, e as tradições vão se consolidando aos poucos, de geração em geração, a partir de experiências que são incorporadas aos rituais e aos códigos sociais.


As sociedades recentes estão permanente sujeitas a tiranias e experimentos de aniquilação. Porque ainda não aprenderam como e de que maneira os agentes sociais e as pessoas podem se preservar desse ou daquele movimento ou circunstância.


É claro que sociedades com alguma tradição podem ser destruídas, como o foi a França em 1789. Mas, certamente, a contínua insistência dos franceses num poder central forte é parte de uma tradição que intuía essa necessidade num país tão fragmentado do ponto de vista regional e social. E que sobreviveu.


As tradições ensinam sabedoria. É fato que nem todas são, eventualmente, úteis, tendo em vista as mudanças frequentes que ocorrem nas sociedades humanas. Mas as sociedades tradicionais, quando sábias, ensinam como as mudanças devem ser feitas.


Assim o Reino Unido construiu sua longeva estabilidade. E uma imensa capacidade de adaptação.


Para Hobsbawm, as tradições não são apenas dispensáveis. Elas simplesmente não existem. Elas são inventadas, no âmago de maquinações de poderosos para iludir a sociedade. Vindo de um britânico isso tem um profundo significado.


O que impediu que os britânicos fossem destruídos pela maré revolucionária européia foi precisamente suas tradições, principalmente aquelas que os ensinaram a lidar com as inovações.


Para um país tão exposto a todo tipo de ataque, insular, isso certamente contém uma sabedoria imensa.


Mas Hobsbawm, pensando no obstáculo que as tradições colocam às transformações irresponsáveis e às aventuras, entende que elas pouco são, além de artifícios enganadores. São mentiras. Ele, portanto, que tanto mente, acusa as instituições tradicionais de mentirosas. O que é outra mentira.


A prática de acusar os outros de qualquer coisa, de inventar sobre os outros mentiras, é importante defesa para suas próprias falsidades.


E o caso, aqui, quando Hobsbawm diz que as tradições são inventadas, e não construídas pelas gerações na busca pela sabedoria, é o de tentar desmontar o equilíbrio que as tradições oferecem e permitir a entrada da aniquilação e da inimizade.


O que na verdade Hobsbawm propõe não é, na verdade, apenas a crítica das tradições. Mas a crítica da experiência.


A experiência é uma das fontes da sabedoria. E ela orienta o ser no difícil caminho do mundo. Por isso as tradições ensinam que se deve respeitar os pais. Porque estes são mais velhos e conhecem mais das coisas do mundo.


Isso não significa que devem os seres humanos se submeter ao arbítrio e à loucura, apenas por virem dos mais idosos, mas que na consideração dos mais velhos existe um respeito pelo valor da experiência e, mesmo na possível recusa de suas afirmações, é bom te-la em mente quando se vive a vida. E se decide. Porque é bom sermos experientes.


A experiência, acima de tudo, ensina a prudência. Grande virtude. Que é caminho para a realização e para a harmonia. E para muitas virtudes.


O combate de Hobsbawm é, assim, um combate moral. Ao tentar ensinar os ingleses (e ao mundo) a fazer pouco de suas tradições, quer ensiná-los a desprezar a experiência que as construiu.


Capacitar, assim, as pessoas, a viver o mundo como se ele tivesse surgido ontem, e se a capacidade de nele atuar pudesse prescindir de qualquer prudência, de qualquer virtude.


Voz da aniquilação, certamente. Que forma consciências vazias de referenciais, história e sentimento. Que afasta o ser do bom senso e do encantamento com a complexidade humana, que exige arte para ser conduzida. Sabedoria e experiência para ser apreciada em sua profundidade.


Voz que busca fazer o ser um instrumento de um projeto impossível. Mas possível no infinito caos que provoca. Derivado da renúncia da tradição, experiência e prudência.


Não devemos deixar de considerar essa terrível dimensão da obra de Hosbawm.




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