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Fílon de Alexandria (parte3)

Por Edgard Leite



Transmissão da obra de Fílon e seu legado.


Há mistério sobre os meios pelos quais a obra de Fílon sobreviveu ou foi transmitida. A comunidade judaica egípcia rebelou-se entre 115-117 d.C. A catástrofe que se seguiu destruiu séculos de prosperidade. Grande parte da literatura conhecida dos judeus egípcios desapareceu nesse período.

É certo, no entanto, que seus textos foram diligentemente copiados em períodos posteriores, principalmente em círculos cristãos.

Fílon foi citado e parafraseado pelo pensador cristão Clemente de Alexandria (c 150 d.C.- c.250 d.C.) que nele encontrou alguns elementos para sustentar uma associação entre Logos e Cristo. Tal movimento ecoou também em Justino Mártir, no século II. O filósofo cristão Orígenes (184 d.C.- 253 d.C.), de inspiração platônica, igualmente citou e valorizou Fílon.

Mas o primeiro grande interlocutor entre Fílon e o mundo cristão foi, provavelmente, o historiador Eusébio de Cesaréia (260/265 d.C.-339/340 d.C.). Eusébio considerou Fílon uma importante conexão entre um prévio pensamento helenístico judeu de Alexandria e o universo cristão egípcio. A sua presença em Eusébio atesta, principalmente, a relevância da Biblioteca de Cesaréia como um dos centros mais relevantes de depósito dos textos de Fílon, nos primeiros séculos da era comum. Nesse centro cultural seus textos foram reunidos, copiados e preservados.

A tradição rabínica posterior aos eventos do primeiro século da era cristã fez descer sobre Fílon um silêncio absoluto. Há muita discussão sobre as razões para isso. Talvez o desconhecimento, entre rabinos do período intertestamentário, da produção helenística egípcia tenha sido o principal fator.

É possível, também, que a proximidade posterior de Fílon ao pensamento cristão o tenha apartado natural das preocupações intelectuais rabínicas. Ou, na verdade, toda a reticência rabínica à tradição da Septuaginta tenha servido de razão para um afastamento intelectual definitivo.

No entanto, embora igualmente exista uma profunda reserva dos rabinos quanto à Filosofia grega, textos judaicos medievais e renascentistas continuarão registrando a lenda de que Aristóteles se converteu ao judaísmo, ou, mais extraordinário ainda, que Aristóteles era judeu, da tribo de Benjamim.

Entre os rabinos, assim, a ideia de que existiam vínculos maiores entre o pensamento judaico e a tradição filosófica ocidental continuou presente.

* * *

Não se pode deixar de considerar que Fílon representou uma pioneira tentativa consistente em esclarecer a mensagem bíblica, da qual o povo judeu é portador, para os gentios. Fílon o fez entendendo que na literatura judaica estava presente uma mensagem universal, traduzível na filosofia grega.

Tal procedimento era possível porque nos conceitos filosóficos helenísticos estava contida a presença onipresente de Deus, que toda lógica humana podia alcançar. Porque, como explicou:

“Moisés nos ensinou cinco coisas que são as mais simples e melhores de todas: primeiro, que a divindade É e tem sido desde a eternidade (…) segundo, que Deus é Um (…) terceiro, que o mundo teve um início (…) quarto, que o mundo também é um, assim como seu construtor, que fez este mundo Ele mesmo em sua singularidade, utilizando para a criação todo material que existe (…) quinto, que Deus exerce providência na condução do mundo” (Opif: 170-171)

O quarto postulado, que o mundo é um, significa que tudo que existe, inclusive o pensamento humano, reflete a imagem de Deus, e que, portanto, tudo de sublime que se pense está associado a essa emanação divina, que cria o mundo.

Assim, no pensamento grego, como, em princípio, em qualquer pensamento virtuoso, está impressa a marca da ação de Deus no mundo, sua providência, sua inteligência e, portanto, a Revelação a Moisés no Sinai.

Abreviaturas:

Conf. De confusione linguarum

Contempl. De vita contemplativa

Ebr. De ebrietate

Flacc. In Flaccum

Fug. De fuga et inventione

Her. Quis rerum divinarum heres sit

Leg. I Legum allegoriae I

Mos. De Vita Mosis

Opif. De opificio mundi

Plant. De Plantatione

Prob. Quod Omnis Probus Liber Sit

QG Quaestiones et Soluciones in Genesin

QG IV Quaestiones et Soluciones in Genesin IV

Spec I. De Specialibus Legibus I

Spec IV. De Specialibus Legibus IV

Somn I. De somnis I.

Somn II. De somnis II.

Virt. De Virtutibus

Fontes e Bibliografia.

Os textos citados de Fílon o são a partir de COLSON, F.H., WHITAKER,G.H. and MARCUS, Ralph (trad.): Philo in ten volumes (and two supplementary volumes). Harvard, Loeb, 2003.

AUDI, Robert: The Cambridge Dictionary of Philosophy. Cambridge, 1999

FRANK, Daniel, LEALAN, Oliver (ed.) History of Jewish Philosophy. Routledge, 2005.

KAMESAR, Adam: The Cambridge Companion to Philo. Cambridge University Press, 2009.

POPKIN, Richard: The Columbia History of Western Philosophy. Columbia, 1993

RUNIA, David: Philo in Early Christian Literature. A Survey. Fortress Press, Minneapolis, 1993.

WINSTON, David: “Philo and the Contempaltive Life” in GREEN, Artur (ed.) Jewish Spirituality I. New York, Crossroad, 1994

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